Referências / Inspiração

BaianaSystem • Reza Forte

A trupe BaianaSystem, trio encabeçado pelo cantor Russo Passapusso, acaba de lançar um single pra limpar os caminhos do ano que se inicia. É “Reza Forte”, uma faixa bem lapidada, paulada bem dada como as que o grupo sabe fazer tão bem – com a benção do produtor Daniel Ganjaman. Aqui, como nos discos anteriores do Baiana, a cultura eletrônica dos DJs dá a mão aos couros da música brasileira e aos desenhos da guitarra baiana, e o que brota desse encontro é hipnoticamente dançante – como em um transe. Tema que, por sinal, está na letra da canção, que fala da ancestralidade africana no Brasil e da resistência das identidades indigena e principalmente negra.

Com participação do rapper BNegão (ex-Planet Hemp), “Reza Forte” abre os trabalhos pro lançamento do album “Oxeaxeexu” (oxe-axé-exu), que será lançado em três partes ou atos: a primeira agora 12 de fevereiro (“Navio Pirata”), a segunda em 5 de março (“Recital Instrumental”) e a terceira em 26 de março (“América do Sol”).

O clipe que sustenta o single foi filmado na ilha de Itaparica, com direção de Belle de Melo, produção da CAVE, direção de fotografia de Daniel Primo e produção executiva de Marcelo Cintra e Rafael Kent, e é forte e ao mesmo tempo sofisticado, como a música.

Folha de arruda, pé de coelho e sal grosso pra tirar a zica dos nossos encostos:

Soul, da Pixar: jornada musical e espiritual

Sou um grande fã da Pixar. Eles conseguem criar animações que falam com adultos e crianças ao mesmo tempo, fazendo rir e se emocionar com a história de seus personagens.

Se foi assim com os filmes anteriores do estúdio, assim é com “Soul”, dirigido por Pete Docter (Monstros S.A., Up, Divertida-Mente), e que estreou com exclusividade no serviço de streaming Disney+. Assista com seus filhos, que darão gargalhadas nas sequências humorísticas enquanto você chora com os dramas dos personagens.

“Soul” conta a história de Joe Gardner, pianista que deseja ser um grande músico de jazz mas que só consegue trabalho como professor de crianças sem jeito pra música – com exceção de uma trombonista. Aliás, irônica fica aquela clássica abertura Disney com o castelo de Cinderela e o tema musical de Pinóquio, sua eterna assinatura, desta vez tocada pela desafinada banda dos alunos de Joe. Um protagonista que, não por acaso, tem um sobrenome que significa “jardineiro” (Gardner), mas aí estou quase dando spoiler 🙂
Sem estragar nenhuma surpresa: Joe vai para o Além após um acidente, mas se recusa a entrar no Céu (o “Great Beyond”). Acaba caindo no “Great Before”, um setor pré-vida onde as pequenas almas passam por uma mentoria antes de nascerem para poderem ir pra Terra com alguma personalidade. O Great Before é clean, asséptico e burocrático, com seres vaporosos de fala suave, e esse ambiente faz um contraponto perfeito com o caos da vida humana, na barulhenta e lotada New York – aonde se passa a parte terrena de “Soul”.

Os dois cenários do filme (Terra e Além) se diferenciam pela construção gráfica e direção de arte, construção dos personagens, mas também pela música de cada ambiente – repare nisso quando for assistir. A vida mundana de Joe tem como trilha sonora obviamente o jazz, e aqui a música ficou a cargo do band leader Jon Batiste. Já o mundo celeste tem os sintetizadores etéreos e texturas quase New Age de Atticus Ross e Trent Reznor (se quiser ver uma entrevista com eles, clique aqui), da banda Nine Inch Nails, que criaram por exemplo os temas de The Social Network (A Rede Social). Senti que a música no Além Vida se parece com a sonorização do Wii – se você tem esse console, pense nisso.

Quando assistir à animação, lembre-se de que “cat” é a forma como os músicos de jazz chamam uns aos outros (há um gato na história, mas falar mais do que isso é estragar o que está por vir).
A história de “Soul”, no final das contas, é uma parábola quase zen budista sobre o sentido da vida, o valor das pequenas coisas e as trocas entre as pessoas. Seremos peixes nadando na água, ansiosos e angustiados querendo nadar no oceano sem perceber que já estamos nele?
Perto do final, um dos seres do Além diz que eles “estão no negócio da Inspiração há muito tempo”. Parece a Pixar falando de si mesma. E é verdade.

New York Times em filme ousado combinando palavras, som e imagens

Faz um bom tempo que admiro a comunicação do The New York Times, seja em seus podcasts (Caliphate e 1619) seja na forma como pensam o futuro do jornalismo a partir de novas tecnologias (Research & Development). O jornal lançou agora um filme que reforça a percepção do quanto o NYT busca um papel de vanguarda na relação com seus leitores e com os tempos atuais. É uma peça formal, no melhor sentido da palavra: abraça a FORMA com vigor, para paradoxalmente conseguir comunicar a importância do CONTEÚDO. No caso do NYT, sabemos o quanto investem em seus talentos para que atinjam um equilíbrio entre boa forma e bom conteúdo.

Extensão da campanha “The Truth Is Essential”, com criação da agência Droga5 e direção da australiana Kim Gehrig, o filme intitulado “The Truth Is Essential: Life Needs Truth” é uma peça ousada e que prende a atenção ao longo de seus 2’20”. Nele, os títulos de cerca de 100 matérias são usados como versos de um poema que costura som e imagens, em um trabalho delicado de edição – que já começa bem, usando os incríveis arquivos fotográficos de seus talentosos profissionais.

E, claro, não poderiam faltar os sons de um teclado digitando os títulos das reportagens, de uma forma percussiva e persuasiva.

A música tem um papel fundamental no filme, não apenas por ditar o ritmo mas também pelo clima de estranhamento que confere ao filme. A trilha sonora do baterista e produtor Makaya McCraven é crua e minimalista, pelada e vazia em seus espaços, composta apenas pelo rufar de seus couros, por um sample de trumpete e por uma atmosfera cinemática de synths e pianos que acompanham o desenrolar das palavras e imagens.

Assistam e depois me digam: em que lugar da publicidade a gente encontra algo assim?

Em poucos.

Netflix chama Hans Zimmer para seu novo tema musical – exclusivo para os cinemas

Na telinha de casa, abrimos a Netflix, escolhemos o que assistir e… TUDUM! Surge aquela abertura curta, simples e eficaz. Dois ataques sonoros de um mesmo acorde, enquanto se forma o N inicial da empresa, pra se desintegrar em seguida em listras coloridas. Agora, imagine essa vinheta de abertura nas salas de cinema, logo antes de uma produção Netflix começar: funcionaria como na TV, celular ou tablet? Ou ficaria minúscula, comparada às aberturas épicas que estamos acostumados, como à do nosso planeta sob o logo da Universal (composta por Jerry Goldsmith em 1997) ou à clássica fanfarra da 20th Century Fox (composta por Alfred Newman em 1933)?

Na salona, quanto maior, melhor. Por isso a Netflix chamou o mais bombástico compositor de música para cinema da atualidade, Hans Zimmer, para criar o tema musical de seus créditos de abertura – exclusivamente nas produções que forem exibidas na telona. A música tem a inconfundível assinatura do compositor alemão (que também criou o score para Interestellar, Dunkirk, Inception, O Rei Leão e Batman – O Cavaleiro das Trevas entre outros): é épica e traz certa carga de tensão, graças ao nervosismo das cordas e a uma dissonância entre a harmonia e o ostinato (melodia repetitiva) dos violinos. A cadência de acordes F7+ | Db | Bb | Db | F7+ demora 16 segundos pra se resolver, o que aumenta a espera (expectativa) pelo final da vinheta – em cinema, retardar a conclusão de uma sequência agitada é um dos truques para amplificar a tensão do espectador, deixando-o colado na poltrona se perguntando “e agora, o que virá??”.

Confira abaixo como ficou essa abertura, e logo depois, a que estamos acostumados. Compare ambas para entender porque a Netflix precisava adaptar sua conhecida vinheta na hora de entrar nos cinemas:

Concatenation – como o sound design pode sublinhar uma edição frenética em video

Sensacional esse trabalho de edição de imagens com som!
Montado pelas mãos do italiano Donato Sansone e com sound design de Enrico Ascoli, o video experimental (sem propósitos comerciais) costura imagens de um projétil que nasce cuspido pelo próprio Donato e atravessa cenas aparentemente desconexas, criando uma poesia futurista (pela velocidade) e virtuose virtuose (pela edição). A escolha e justaposição das imagens é de tirar o fôlego e ainda tem um bom humor.

O sound design aqui tem um papel importante: tornar mais real a brutalidade da colagem, dando uma textura tátil ao que se assiste. Como é que o som pode chegar a isso? Com volume e equalização. Os sons de explosões, vento, tiros, trombadas e todo tipo de impacto são tratados à base de um volume muito alto e uma equalização que sublinha os graves. Frequências graves são aquelas que sentimos em nosso corpo, nossos ossos e pele. São as que nos fazem dançar, e também nos alertam de que um terremoto está chegando. É assim que o sound design de filmes de ação funciona: reforçando volume e sons graves. É o tipo de sensação sônica que chamamos de “na cara”.

Bote os fones de ouvido:

Dica: Marcelo Machado

Jacob Collier + Kimbra • In My Bones

O que é divertido em Jacob Collier é que ele é um virtuose musical que adora brincar com tudo o que é ferramenta. Fazia isso em suas primeiras coagens musicais no YouTube, e por isso é tão natural vê-lo em um clipe funky pop como esse, junto com a cantora neozelandesa Kimbra: